domingo, 11 de setembro de 2011

E assim ele morreu, feliz

Era uma sexta-feira diferente das outras e ele já pensava se este teria sido o pior dia de sua vida. Depois de um dia duro de trabalho recheado pela ansiedade oriunda da aproximação do final de semana, merecia mesmo tudo aquilo?
O início dessa semana foi marcado pela preguiçosa segunda-feira e seguem-se os os dias figurantes, terça quarta e quinta. No primeiro dentre os secundários, fora tomado por uma onda de papéis sobre a mesa de seu escritório. Eles consumiram suas horas como traças esfomeadas os consumiriam num porão escuro e úmido. No segundo daqueles dias, divertiu-se na "cela 14", como costumava chamar sua sala, atirando bolas de papel, cuidadosa e metodicamente amassadas por ele, no cesto de lixo. Nos momentos seguintes à sua saída do trabalho no mesmo período de 24 horas, pensou em como havia feito nada no tempo, que deveria significar tudo ou, no mínimo, boa parte disso. Aproximava-se a sexta-feira, porém faltava um dia figurante, a quinta, muitas vezes vivida como a primeira metade da sexta, mas com ele não ocorria o mesmo. Logo ao ser acordado pelo seu galo eletronicamente programado, foi tomado por um desânimo paralisante e decidiu-se a passar o resto do dia na cama, esperando por seu sucessor.
Era uma sexta-feira diferente das outras e ele já pensava se este teria sido o pior dia de sua vida. Depois de um dia duro de trabalho recheado pela ansiedade oriunda da aproximação do final de semana, merecia mesmo tudo aquilo? Assim que chegou em casa, pensou e julgou sabiamente que o que sentia era a pior sensação que já havia tido.
Fechou a porta com um coice feroz e atirou sua maleta por cima da mesa, acertando um vaso que caiu no chão, quebrando-se. Retirou os sapatos com os pés enquanto tentava alcançar suas costas. Esforços em vão. Estava piorando a todo momento, não poderia passar nem mais um minuto com aquele sentimento, tinha vontade de arranhá-las como nunca o fizera. Folgou a gravata para que pudesse respirar melhor ao mesmo tempo em que buscava por um objeto longo e afiado nas gavetas de sua cozinha. Abriu-as com desmedida força, derrubando os talheres e todos os outros artefatos culinários em seu piso de "shopping center", o que incomodou o seu vizinho do andar debaixo. Nada, nenhum dos que caíram servia. Pensou numa superfície áspera em seu apartamento, mas naquele momento de descontrole e irracionalidade não era capaz de pensar com clareza. Correu por todo o local berrando como louco, entretanto as paredes eram grossas e os moradores não podiam ouvir seus gritos de socorro berrados para ninguém. Chegando no quarto, pulou na cama e rasgou suas vestes, as veias saltavam em seu pescoço agora vermelho. Deitou-se e rolou de uma maneira que se assemelhava a um ataque epiléptico, em seguida vasculhou seu guarda-roupas procurando pelo presente que ganhara de seu brincalhão e despreocupado irmão mais velho e decepcionou-se por não encontrá-lo no local em que deixara. Enfurecido, arrancou uma das portas do móvel, partiu para os lugares em que acreditava tê-lo deixado, determinado a acabar com toda aquela agonia. Naquele momento, quem entrasse no apartamento poderia jurar que um grupo de paleontólogos o havia invadido cegos pela certeza da existência de um minúsculo e raro fóssil no imóvel. Estava desesperado, quando enfim encontrou o coçador de costas atrás da porta do banheiro. Com olhar e fala semelhantes aos de Smigol, de Senhor dos Anéis, deu início ao ritual de "coçassão". De maneira parecida à alguém que ingeriu ácido lisérgico dietilamida, teve alucinações das mais diversas coisas nas mais impossíveis combinações de cores. Nenhum orgasmo que já teve foi tão prazeroso quanto a sensação de "matar sua coceira". Caminhou pela moradia com os olhos fechados, cambaleava e ria loucamente. Passou por todos os ambientes de seu apartamento e, sem que percebesse, chegou a varanda de sua ampla sala de estar, rodopiando alegremente. Sentiu um vento forte em seu rosto, rodopiou mais depressa e, no momento em que abriu os olhos, já estava perto demais do chão para evitar um acidente.
E assim ele morreu, feliz, após cometer "um assassinato".

Um comentário:

  1. Me lembrei, no final, de um conto que li na faculdade... chama The Story of An Hour", da Kate Chopin, conhece?
    http://www.vcu.edu/engweb/webtexts/hour/
    A felicidade mata...

    Muito bom texto...

    ResponderExcluir